À medida que evoluímos individualmente, e como sociedade, aumenta a nossa necessidade de fazer leituras críticas  e ressignificação do mundo. Estas demandas do pensamento são sustentadas pela capacidade que temos de fazer novos questionamentos e interpretações. O movimento que se segue a esse processo passa por uma "desconstrução de camadas sedimentadas de conceitos" (Hans-Georg Gadamer). A contínua necessidade que temos de interpretar o mundo é o que aproxima a hermenêutica da Doutrina Espírita.

O exercício mediúnico deve continuamente estimular a reflexão em torno de temas relevantes e emergentes. Por ser um sistema aberto, o sistema de idéias espírita deve promover questionamentos e discussões com o propósito de criar novas metáforas, novos entendimentos e recontextualizações. Assim, os instrumentos e as instruções ligados à Doutrina Espírita estarão em constante evolução com impactos nas dimensões individual, alternativa, especialista e universal.

A parte da filosofia que trata da "interpretação" tem o nome de hermenêutica. Os objetos de estudo podem ser quaisquer questões, desde textos e poemas até comportamentos sociais. A palavra grega hermeneuein significa traduzir ou interpretar; hermeneia é interpretação. Aqui cabe um ponto relevante: interpretar é diferente de explicar! Explicar é dar a causa ou a razão. Explicar um fenômeno físico, por exemplo. Interpretar é, por sua vez, procurar ou revelar o sentido de algo. Interpretar um signo, uma obra ou um acontecimento.

O trabalho do filósofo Martin Heidegger (1889- 1976) trouxe uma grande contribuição para a evolução dos conceitos ligados à hermenêutica. Ele não foi o primeiro a trabalhar esta linha filosófica, mas seu trabalho traz uma nova hermenêutica do ser humano e do cotidiano (dasein). Heidegger foi um questionador da tradição e da lógica que ainda se achava na base do idealismo alemão na sua época e lutou pelo resgate da capacidade humana de questionar e reinterpretar, assim, propôs que se trouxesse a filosofia para um sentido de realidade ligada ao mundo. Isto é, a necessidade de se aprender a pensar a vida em todas as suas muitas direções. Em uma cultura que atualmente está profundamente marcada pela ciência, é preciso "conquistar um novo equilíbrio de modo que o nosso pensamento não se esgote apenas no domínio e exploração da natureza, mas também através da disponibilização de tudo- nós mesmos, inclusive", diz Gadamer. O Ser aqui e agora!

Revisitar, desconstruir e ressignificar pode ser uma descrição sintética de um processo que requer uma “atitude hermenêutica” e que ao mesmo tempo atende à proposta de uma Doutrina Espírita dinâmica na forma de reinterpretar o mundo. O sistema aberto proposto pela Doutrina permite, e requer, interpretações para que o espírito evolua no caminho da construção individual e social.

Assim, à medida que concebemos, percebemos e nos conscientizamos das infinitas possibilidades que os contextos nos oferecem no mundo cultural, estamos fazendo ressignificação e criando solo fértil para novas perguntas e novas respostas que possam efetivamente atender às necessidades do pensamento. O pensamento é do espírito, a linguagem é da cultura. A cultura dá uma roupagem (símbolo) ao pensamento (significado) criado pelo espírito. A linguagem pode modular o pensamento, tanto potencializando como limitando a sua expressão. A linguagem é o veículo do pensamento!

Nós, colaboradores da Doutrina Espírita, podemos estimular a aplicação da hermenêutica, por exemplo, no estudo das obras básicas, dos produtos mediúnicos, ou de qualquer produto cultural, promovendo reflexões críticas sobre os temas de interesse e ao mesmo tempo buscando sempre um novo olhar e um entendimento mais completo.